Guardador de rebanhos
Enquanto guardador de rebanhos, nunca me preocupei muito em ser fiel à minha pastora. Observava as ovelhitas com os carneiros em alegre rebaldaria, e ficava extasiado com esta visão. Uma vez por outra, indiferente á presença da minha pastora, lá comia uma ovelhita, que um guardador não é de ferro. Se me assaltaram problemas de consciência, eu tratei de os prender, que sou homem simples, das montanhas. O pensamento prático é o que me mantém são entre animais. A zoofilia constituía para mim um problema tão grande como a chegada de sondas a Marte. Tudo tão complexo para um guardador de rebanhos.
E a minha pastora? Não há muitos guardadores de rebanhos como eu, e se quisesse usar um cabritinho, coisa que duvido, que poderia eu fazer? Não há espaço para ciúmes de animais, nem de homens, num local onde a vida gira em torno da existência ou não de pastagens.
Envelhecido pelo tempo, pelo frio e por mim próprio, farto de correrias, farto de percorrer os mesmos caminhos vezes sem conta, agora gozo de forma simples a minha reforma. Há muito que deixei o meu rebanho para outros. Agora passo o meu tempo dividido entre a minha ardósia, que risco, rabisco e apago ao sabor da minha demência, e a minha navalha com que, usando de paciência, crio formas e bonecos desconexos para os netos que não tenho. E espero. Espero pacientemente que chegue a minha companheira, tão fiel como os cães, tão obediente como o rebanho que guardava. Agora, finalmente sou-lhe completamente dedicado. Não preciso de lho dizer, ela sabe-o. Soube-o no momento em que, sem reflectir, deixei de correr alegremente tresmalhando o rebanho, para com ela me deitar. Sem palavras, num único momento soube que era um Homem. Deixei de ser um guardador de rebanhos, passei a ser fiel á minha pastora.
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