Tuesday, January 27, 2004

Eu gosto muito dos seres humanos.
São tão bonitos e queridinhos. Às vezes fico a observa-los do alto nos seus locais de peregrinação: os centros comerciais. E lá vão eles, casalinhos estupidamente feizes, conversando acerca de nada e para nada... mas felizes. Penteados pré-formatadinhos e roupa diferente por ser tão igual (tão bonitinhos, parecem gémeos). Sempre questionei se existirá relação entre a formatação da roupas e a obtusidade das mentes. Mas gosto deles é assim, estúpidos e banais.
Vão para a sua dose periódica de ópio. Ordeiramente esperam nas filas para comprar os bilhetes de cinema, inebriados com antecipação. “será o que o herói irá morrer?”, “espero que não, o actor é tão bonito”, “anda com aquela modelo anorética”, “é anorética mas é atraente, tens é inveja”, “espero que tenha um final feliz”.
E começa a sessão.
Assim que as bobines começam a rodar, uma injecção de estuidez flui pelas veias, os olhos incham de felicidade, a ausência de pensamento próprio substitui o vazio anterior. E como um copo esvaziado vai-se enchendo de imagens projectadas num ecrã e agora parte das suas próprias vidas. Emoções roubadas aos actores, pensamentos fúteis que não poderiam ser pensados pela sua própria cabecinha, banalidades, acção, luz, côr, música, num crescendo quase sinfónico....
No filme morrem pessoas, mas os principais intervenientes sobrevivem incólumes, sempre bem penteados e bem vestidos (os heróis não possuem glândulas sudoríparas). Morrem os maus e ficam os bons, assim como na vida real (ainda há vida real?). No fim, beijam-se na boca os protagonistas, beijam mães os corpos dos filhos mutilados, beijam amantes os corpos violados e esventrados, beijam crianças a taça de arroz onde só existe água, quando há água, morrem ditadores, mortos pelos seus substitutos. Vivam os novos ditadores, paz há sua alma (irão precisar quando forem mortos pelos seus sucessores). Ficam vivos hipócritas preocupados com as suas políticas de vizinha invejosa, de burguês antes-parecer-que-ser.
Tudo está bem quando acaba bem. No fim batem palmas, e um sorriso ilumina os rostos dos seres humanos, contentes pela vida ser tão bela, tão azul.

Vou comprar um casal de seres humanos para ter lá em casa. Vou fazer com que procriem e vou criar uma civilização. E quando estiver farto, vou simplesmente esperar que se degolem mutamente, sem limpar a jaula. O sangue humano não tem cor, nem cheiro... não existe.

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