Thursday, March 25, 2004

Lítio e Cafeína

De facto não me apetece fazer nada. Queria um café e lítio se faz favor... já agora tem para aí uma janela com uma boa vista para cidade? Pode ser do 10º andar... suícidio?! Não! Sou demasiado covarde. Preciso apenas de testar uma guarda-chuva novo, disseram-me na loja que era especialmente resistente.

“lá estás tu outra vez!”
“achas mesmo que vais resolver alguma coisa com estas lamúrias?”
“é sempre a mesma coisa, sempre que algo não está bem ficas com essa cara de cachorro...”
“estás á espera que tenham pena de ti, não é?” “nem tu, nem nós acreditamos nessa treta”
Eu não quero que tenham pena de mim! Eu assumo todas as minhas decisões!
“ou a falta delas”
E qual o problema de ficar parado á espera que as coisas aconteçam por sí? Assim nunca erro, nem nunca sou rejeitado...
“pois, pois...”
“e esse travo amargo que fica na boca após as não-decisões...”
“e se?” “essa pergunta não te faz comichão por dentro?”
“claro que podes sempre ficar eternamente no sofá a imaginar que escreveste aquela carta, ou que fizes-te aquele telefonema...”
“... adivinha...”
“NÃO O FIZESTE!”
Mas isso foi uma não-opção minha!!!!! O ócio quando ataca pode ser o nosso melhor amigo, ficar á espera, como no útero, até ser violentamente empurados para o mundo. E se tiverem pena de mim?! Sim! Eu faço isso! E resulta! Eu sei que resulta, eu sou bom nisso... pelo menos nisso... que culpa tenho se os que me rodeiam caem no truque vez após vez, em vez de me espancar para me arrancar do torpor?
“queres violência?”
“por não a inflinges a ti próprio?”
"a única e possível solução para os teus problemas..."
“quais problemas?”
“pareces uma novela mexicana...”
“...esquizofrénico cor-de-rosa...”
“... andas a inventar problemas para te sentires triste...”
O riso assume para mim a importância da cocaína. Preciso de cada vez mais para me sentir bem, e quando caio em mim apercebo-me mais nítidamente do que me rodeia, quase que me observo do alto, triste...
“... pensas que os depressivos são mais criativos?”
“... talvez o sejam...”
“mas não pretendes afirmar que todos os drogados escrevem como o Jim ou como o Kurt?”
“pfui..”
“julgaste uma grande coisas por escrever aquilo que estas vozes te falam?”
“adivinha uma coisa...”
“... não és o único!”
“ser humano...”
“...temos pena de ti”
Mas escrevo! Tomei essa decisão! E nem que deixe de ter quem me leia, ou quem goste de o fazer, vou continuar a fazê-lo. Sim, isto é exercio de masturbação mental, associado ao voyerismo de uns quantos, mas é a ejeculação final que dá prazer. E quanto mais observam mais os meus movimentos ficam tolhados, e sinto os seus olhos a examinar-me, como eu lhes faço todos os dias sem eles saberem (condição essencial para testas as suas verdadeiras reações), sinto que começo a auto-limitar a minha criatividade...
“qual criatividade?”
“daqui a umas semanas estás a escrever lamechices...”
“... com coraçõeszinhos...”
“... bolas de sabão...”
“... atiradas por uma rancho de garotos louros e sardentos....”
“enquanto o seu lanche é comido pelos negros esfomeados...”
“... tudo numa harmonia feliz.”
“brincadeirinha...”
“nós sabemos que não o vais fazer...”
“(embora o desejes profundamente)”
“por não tens capacidade para tal!”
Obrigado pelo elogio. E sim, pretendo ser mais que a maioria. Aspiro à perfeição que recuso ver nos outros. Se não escrevi um livro, escrevo estes textos caóticos, não plantei uma árvore, mas semei milho, e não fiz um filho (felizmente), mas por vezes pratico.
“fracos substitutos...”
“...atreveste a comparar a masurbação ao acto de fazer amor!”
“nem a morte mereces...”
“... apodrece no teu sofá!”

Olhe já não quero o lítio. Fico-me pela caféina... preciso de falsa energia, para recuperar desta tareia.

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