Thursday, December 23, 2004

Lingua Portuguesa

Da mesma forma que uma multidão sem conta de igrejas e mosteiros se espalha, com suas cúpulas domos e cruzes, pela vasta e piedosa Rússia, assim uma multidão sem conta de raças, povos e nações se comprime e agita á superfície da terra. Cada povo possui em si próprio uma reserva de forças, determinadas faculdades criadoras e, particularidades bem definidas e ainda outros dons que Deus lhe deu. Mas de todos esses dons, o que o caracteriza, o distingue e melhor reflecte o seu carácter, é o verbo. A língua inglesa exprime um conhecimento profundo da alma humana e uma judiciosa compreensão da vida; a francesa cintila em clarões efémeros; alemã rumina laboriosamente uma frase profunda cujo sentido escapa a muita gente. Mas não há no mundo palavra tão completa, tão espontânea, tão estuante de vida, como a palavra russa aplicada a preceito.”

Nikolai Gogol, Almas Mortas 1841


E a língua portuguesa? Língua de poetas. Língua do maior de todos os que habitaram a modernidade: Camões!… ou será o Sramago?...hummm… Pessoa foi genial, e a esquizofrenia ficava-lhe bem!

Que língua fascinante é esta que tanto pode cantar as belezas femininas endeusando-as numa cantiga de amigo, e logo de seguida cobri-la de vergonha na praça pública com o escárnio de algumas cantigas. A língua de ridendo castigat mores e do teatro de revista. Nesta língua das frases sussurradas, onde as palavras tem mais do que um significado, e significam sempre o que os outros entendem.

“Vende chouriça?”

“Só se for da grossa! E a menina com esse ar triste está mesmo a precisar dum belo chouriço… não fique chateada! Assédio? Não! Sou apenas um pobre vendedor de enchidos, o mal está todo na sua cabeça, menina. Eu apenas faço propaganda ao meu material.”

Só nesta língua (ou deverei dizer idioma?) os verbos meter, enfiar, enterrar, sugar, lamber, comer, chupar, já para não falar das expressões todo lá dentro, agarra-me aqui, está todo? Preferes com força? Vais por detrás, ou pela frente? E tantas outras têm tantos significados.

Não é só o homem do chouriço que faz jogos de palavras. Todos nós, a começar por mim, fazemos insinuações (acompanhadas de um sorriso matreiro ou uma piscadela de olho) que não passam de filhos bastardos, rejeitados á nascença postos no mundo para todos mas sem ninguém assumir responsabilidades… “Não foi eu que disse, tu é que entendestes dessa forma”. Idioma dos fracos, covardes que não coragem de dizer o que lhes vai na alma, e quando o dizem negam qual criança malcomportada quando parte um vaso.

O português é óptimo para falar, falar e não dizer nada! Usa palavras que nem sabia que existiam se um qualquer político não a tivesse resolvido usar porque a viu num dicionário aberto aleatoriamente. E durante umas semanas anda toda a gente com aquilo na boca… é o contraditório… uma cabala (leiam Richard Zimler se quiserem saber que o é a cabala)… o défice…

Será a língua que define o que somos? Se usamos um idioma dado á covardia e á irresponsabilidade a culpa não é nossa pois não?

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